Foto: Sueli Maxakali
Dando prosseguimento às três edições anteriores, apresentamos uma nova proposição que pretende levar adiante as indagações teóricas, analíticas e metodológicas em torno da potência política e estética que atravessa o cinema e a fotografia contemporâneas. Entre 2009 e 2011, organizamos três edições de um Colóquio Temático dedicado a tais questões no âmbito da Sociedade Brasileira de Estudos do Cinema e do Audiovisual (SOCINE), que culminaram na realização do primeiro Seminário, no período de 10 a 15 de abril de 2011, na UFMG, em Belo Horizonte. No ano seguinte, com número maior de convidados e com um repertório mais ampliado de temas, o evento ocorreu de 10 a 12 de abril, outra vez na UFMG. Já em 2014, em uma parceria com colegas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e apoio da Universidade de Rennes 2, o colóquio aconteceu em Niterói, de 2 a 4 de abril.
Este ano, o evento retorna a Belo Horizonte, convoca outros pesquisadores e elege novas problemáticas, já antevendo, para o ano que vem, sua realização em nova cidade, acolhido por outro programa e outros grupos de pesquisa. O Colóquio reunirá pesquisadores de vários domínios (Estudos do Cinema e da Fotografia, Comunicação, Antropologia, Arquitetura e Urbanismo) que se dedicam aos aspectos políticos e estéticos ligados às imagens contemporâneas, tomando-as como constituintes dos modos de vida em comum, mais e mais caracterizados por conflitos, desigualdades e pontos de vista inconciliáveis. Participarão do evento pesquisadores de diferentes universidades: UFMG, PUC-MG, UFSJ, UFRB, UFSB, USP, UNICAMP, UFPE, UFCE, Universidade de Montreal e Pontifícia Universidade Católica do Equador.
O Colóquio será acompanhado de uma pequena mostra de filmes, em afinidade com os temas das mesas, a ser realizada em parceria com o Cine 104.
Aparição e exposição das imagens
O IV Colóquio Internacional Cinema, Estética e Política busca pensar a imagem como aparição e mediação entre sujeitos, formas de vida e mundos distintos, seja no contexto dos conflitos geopolíticos e dos conflitos urbanos, seja no âmbito dos encontros interétnicos ou interespecíficos. Se no âmbito da polis essa mediação não está livre de desentendimentos e de disputas, quando se trata do “cosmos” – que amplia consideravelmente o número de agências, de sujeitos e de relações possíveis –, as imagens tornam-se ainda mais equívocas e instáveis, e complicam acentuadamente a tentativa de encontrar uma escala comum – provisória – entre o que não tem medida comum.
Como afirma Hannah Arendt, “os seres vivos, homens e animais, não estão apenas no mundo, eles são do mundo” (ARENDT, Hannah. A vida do espírito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992, p. 17-18). Independentemente de sua identidade, eles aparecem – em cena – uns para outros, na condição tanto de sujeitos quanto de objetos, percebendo e sendo percebidos por uma pluralidade de espectadores. Desse modo, a vida na polis, o viver em comum, é também um ver em comum, de tal modo que o visível, longe de ser algo dado, surge como “a tarefa de cada sujeito que constrói o objeto de seu desejo de ver”, como ressalta Marie-José Mondzain (MONDZAIN, Marie-José. Le commerce des regards. Paris: Seuil, 2003, p. 166).
Eis o vínculo que garante, logo de início, na sua gênese, a dimensão política de tudo aquilo que nos aparece e que solicita o nosso julgamento crítico. Como prossegue Arendt, toda aparição de um mundo em um palco em comum leva os sujeitos a emitir um julgamento acerca daquilo que lhes aparece, de tal maneira que a aparência sempre solicita um juízo do tipo “parece-me” (conforme o verbo grego dokei moi), extraído das formas de vida em comum. O aparecer das visibilidades possui um caráter marcado estruturalmente pela indecidibilidade (“com o que se parece isso que nos aparece?”) e pela força de reunir – de colocar em relação – os espectadores, que julgam os objetos que convocam o seu olhar e, assim fazendo, partilham a confrontação crítica das opiniões e dos olhares. Distante de todo regime de verdade, a imagem (o eikon) opera na “invisível similitude dos homens que olham juntos”, simultaneamente, conclui Mondzain (MONDZAIN, Marie-José. Le commerce des regards. Paris: Seuil, 2003, p. 167).
Tocamos aqui no âmago das indagações que movem este Colóquio, quando perguntamos pelos recursos expressivos e operações de que a fotografia e o cinema contemporâneos – atravessados pelas forças e poderes que constituem a vida social – disporiam para dar forma ao viver em comum, sabendo-o fraturado ou esgarçado por todo tipo de conflito e desigualdades (materiais e simbólicas), cortado por dissensos de diversas naturezas. Ainda assim, trata-se de insistir na imagem como lugar coabitado pelas diferenças, sítio da alteridade e da reciprocidade, embora o “nós” da comunidade seja cada vez complicado – senão impedido e barrado – nas sociedades em que vivemos.